Sobre o Ego e a Entrega - Osho 2/2

“Você diz : Eu me entrego para alcançar o meu objetivo. Eu busco me entregar para obter a liberdade.”

Mas você é livre! Jamais você esteve aprisionada. 
Você é livre, mas de novo há o velho problema: você deseja a liberdade, mas não compreende que você só pode ser verdadeiramente livre quando for livre de si mesma – não existe outra liberdade além dessa. 


Todas as vezes que você pensa sobre a liberdade, você imagina que o seu “eu” estará lá e será livre. 
Mas você não vai estar lá, somente a liberdade estará. Liberdade significa que liberdade do próprio “eu”, ao invés de “liberdade usufruída pelo eu”. No momento em que a prisão desaparece, o prisioneiro também desaparece, porque o prisioneiro é a prisão! 

Prisioneiro e prisão são um. 
No momento em que você deixar a prisão, você também não será. Haverá apenas um puro céu, puro espaço. Esse espaço puro é chamado nirvana, moksha, liberação.
Compreenda o que é liberdade, ao invés de tentar obtê-la.
“Eu busco me entregar para obter a liberdade.”

Nesse caso, você está usando a entrega como um meio, enquanto que a entrega é o objetivo, é o fim em si mesmo. Quando eu digo que a entrega é a nossa meta, não estou dizendo que a entrega tem de ser alcançada em algum lugar no futuro. Eu estou dizendo que a entrega não é uma ação, não é uma ferramenta, não é uma técnica, enfim, não é um meio a ser empregado; ela é uma finalidade em si mesma. Não é que a entrega o conduza à liberdade, entrega é liberdade! 

Elas são sinônimos, significam exatamente a mesma coisa. Você está olhando para a mesma coisa de dois ângulos diferentes; (...)
Sua entrega não é real nem irreal. Não se trata nem mesmo de entrega, absolutamente. Nem sequer é irreal.

Você diz: “Eu consigo testemunhar isso, mas o problema é que é justamente este ‘eu’ que está testemunhando. Portanto, tudo o que decorre a partir desse “eu” que testemunha só pode ser um reforço para o ego. Eu me sinto enganada pelo meu ego.”

Quem é este “eu” que você diz estar se sentindo enganado pelo ego? É o próprio ego. O ego é tal que ele pode dividir a si próprio em vários fragmentos, em várias partes, e então começa o jogo. Você é ao mesmo tempo o caçador e a caça. Exatamente como um cachorro tentando agarrar a própria cauda, saltando de um lado para o outro e contorcendo-se. E você 
olha e vê a absurdidade disso – mas você vê o absurdo, o cão não pode vê-lo. 

Quanto mais ele acha difícil agarrar a cauda, mais louco ele fica, e mais 
ele salta. E quanto mais rápido e alto o cão salta, mais alto e mais e rápido é o salto da cauda. E o cão não consegue conceber o que está acontecendo: 
ele, um grande e exímio apanhador, não consegue agarrar uma simples cauda?
Isso é exatamente que está acontecendo com você. É o “eu” que se empenha em apanhar, e que o tempo todo é o caçador e a presa. Perceba como isso é ridículo e, mediante essa própria percepção, livre-se de tudo isso.

Não há nada a ser feito, absolutamente – nem mesmo uma única coisa. Eu digo: vocês já são aquilo que você desejam se tornar. Vocês são Budas, jamais vocês foram outra coisa. Basta que percebam.
E quando você diz “eu consigo testemunhar”, de novo isso é o próprio ego. Sempre que você empreender a ação de testemunhar, o “eu” será criado novamente, porque o ato de testemunhar também é um fazer, há um esforço envolvido. Relaxe. No relaxamento – quando não há nada a ser observado e ninguém para observar, ou seja, quando você não mais estiver integrado às divisões da dualidade – então surge uma diferente qualidade/espécie de testemunhar. Haverá o testemunhar, mas não haverá a ação de testemunhar. 

“eu” não terá qualquer ação para praticar. E o “eu” somente pode sobreviver se houver uma ação ao qual possa se agarrar, porque é da ação que ele retira o seu senso de “eu sou”. Assim, diante desse tipo de testemunhar o ego é impotente. Lembre-se: o testemunhar existe e ocorre por si mesmo, tendo uma característica suave e passiva. Ele não é agressivo. 

Se houver ação, o testemunhar se torna agressivo: o esforço passa a ser necessário, você tem de estar tenso. Esteja à vontade, descontraído, relaxado. 
Fique no momento presente. Simplesmente esteja aí, permitindo que tudo seja e ocorra por si mesmo. 
Nessa consciência em que você está apenas aí sentado sem fazer nada, a primavera chega e a grama cresce por si só.


Esta é a síntese de toda a abordagem budista: O que quer que você faça apenas criará e reforçará ainda mais o fazedor (ego) – incluindo testemunhar, pensar, entregar-se. Qualquer coisa que você fizer vai criar a armadilha. Nada é necessário a ser feito de sua parte. Apenas ser... e deixar as coisas acontecerem. Não tente controlar, não tente manipular. 

Deixe que a brisa passe por você, permita que os raios solares cheguem, permita a vida dançar, e quando chegar o momento deixe que a morte venha 
dance a sua dança em você também.

Para mim esse é o significado de sannyas: não é algo que você faz, e sim quando você abandonou todo o fazer porque percebeu a absurdidade disso tudo. Quem você pensa que é para fazer alguma coisa? Você é somente uma onda nesse imenso oceano. Num dia você é, noutro dia você desaparecerá; o oceano continuará. Por que você deveria ficar tão preocupado? Você surge e desaparece. Enquanto isso, durante esse pequeno intervalo, você se torna tão 
preocupado e tenso, que você toma sobre si todos os fardos, e carrega pedras em seu coração – e por razão nenhuma.

Vocês são livres neste exato momento!
Eu os declaro iluminados neste exato momento. Mas vocês não confiam em mim. Vocês dizem: “Está bem, Osho, mas apenas diga-nos como nos tornamos iluminados.”

Esse impulso de querer se tornar, de querer alcançar e de desejar, segue saltando sobre cada objeto com que você se depara. Às vezes ocorre com o dinheiro, às vezes com Deus. Às vezes com o poder, às vezes com a meditação – o objeto pode ser qualquer um, e você logo o agarra. Mas não se apegue, não possua; o desprendimento é o caminho para viver a vida real, a 
vida verdadeira.

Deixe as coisas acontecerem, deixe a vida ser um acontecimento, e haverá apenas alegria, regozijo, júbilo – de modo que jamais poderá haver uma 
frustração, porque você nunca esperou por nada em primeiro lugar. O que quer que venha é bom, é bem-vindo. Não há o fracasso, nem o sucesso. O jogo 
do sucesso e do fracasso foi descartado. O sol aparece pela manhã e o acorda, e a lua surge à noite cantando uma canção de ninar e você vai dormir. A fome vem e você come, e assim por diante. Isso é o que os mestres Zen querem dizer quando declaram: “Se estiver com fome, coma; quando estiver com sono, vá dormir. Não existe outro caminho.”

E eu não estou lhe ensinando a ser inativo. Eu não estou dizendo para não ir trabalhar. Não estou dizendo para deixar ganhar o seu pão, nem estou dizendo para renunciar ao mundo e depender dos outros – não, de modo algum. Mas não seja um fazedor. Sim, você tem de comer quando está com fome, e para comer você tem de ganhar o seu pão – mas torne-se alerta de que não existe ninguém fazendo isso. É a fome em si que está agindo, 
mas não há ninguém fazendo isso. É a sede em si que o leva a procurar por um poço ou por um rio. É a própria sede agindo; não existe ninguém para estar 
com sede. 

Descarte de sua vida os nomes e pronomes e deixe que apenas os verbos existam.Buda diz: A verdade é igual a quando você vê um dançarino: o dançarino não existe, apenas a dança. 
Quando você se depara com um rio, em verdade não há o rio, mas apenas o fluir do rio. Existe o verbo e não o nome. Quando você vê uma árvore, não há a árvore, existe apenas o processo contínuo e constante de “ser” da árvore. Quando você olha para um sorriso, não há ninguém sorrindo, há apenas o 
sorriso: o verbo do sorrir está acontecendo. A vida é um processo.

Mas nós fomos acostumados a pensar sempre em termos de substantivos: nomes consumados, estáticos. Isso cria problema. Na vida nada está concluído ou estagnado – tudo é um fluxo, um fluir. Aprenda a viver com isso, flua com isso, flua com este rio, e nunca seja um fazedor. Mesmo quando você estiver fazendo, não seja um fazedor. Apenas o fazer existe, mas não há o agente. Quando esse insight se estabelecer profundamente em você, então não haverá nada mais.

A iluminação não é algo como um objetivo a ser alcançado. Ela é esta própria vida simples e comum que o rodeia. Mas quando você não está se esforçando ou lutando ocorre um milagre:esta vida comum torna-se extraordinariamente bela. 
Então as árvores são mais verdes, então os pássaros cantam em tons mais ricos, e tudo o que está acontecendo ao redor é precioso. Pedras comuns são diamantes.
Aceite esta vida tão simples e comum. Basta descartar o fazedor, o “eu”. E quando eu digo para descartar o fazedor, não se torne nesse ato um fazedor! Basta olhar para ele e compreendendo a sua irrealidade. E ele desaparece."

Osho em The Heart Sutra
Primeira parte clique aqui 

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